A partir dos resultados apresentados no simulador, é possível destacar a influência que os
recursos técnicos e financeiros têm no acesso aos fundos públicos disponíveis. Mais
especificamente, apresentam maiores probabilidades de sucesso os municípios que:
- Conseguiram aprovar as suas Estratégias Locais de Habitação (ELH) atempadamente,
especialmente os que o fizeram antes da inclusão do 1.º Direito – Programa de Apoio ao
Acesso à Habitação no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR);
- Foram capazes de aprovar candidaturas a programas de apoio financeiro diversificados, como
a Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário (BNAUT), o que indicia maior
capacidade em lidar com as exigências técnicas e burocráticas inerentes aos processos;
- Estão mais próximos do apoio técnico especializado necessário para concretizar os dois
pontos anteriores;
- Estão localizados em regiões mais ricas e desenvolvidas, tendencialmente pautadas por uma
menor perda populacional, existência de alojamentos vagos, dinâmicas de mercado mais
intensas e maiores qualificações literárias.
Todos estes indícios sugerem a necessidade de introduzir medidas corretivas, por forma às
políticas públicas contribuírem para uma maior coesão territorial, em vez de acentuar as
assimetrias existentes. Estas evidências, em conjunto com a necessidade de articular as
políticas de habitação com o planeamento e ordenamento do território – não desenvolvidas
aqui, mas que constituem o cerne do DataH – servem como mote um momento futuro deste
projeto, ancorado em duas questões:
- Como identificar os territórios onde as necessidades se manifestam, em simultâneo, em
várias áreas e onde, apesar das dificuldades referidas, a intervenção pública é mais
urgente?
- Como priorizar os territórios a intervir, atendendo à limitação de recursos e à legítima
aspiração de obter o maior impacto possível?
Breve contextualização do trabalho
Para a construção do simulador foi desenvolvido um modelo de regressão logística, que modela
o comportamento de uma variável resposta de natureza binária – acedeu ou não ao
financiamento – em função de diferentes variáveis explicativas, existentes para cada um dos
municípios que integram a base de dados e para os quais o comportamento das variáveis em
causa é conhecido. Apresentamos em seguida um enquadramento simplificado das principais
decisões e das variáveis que enquadram este modelo. Para uma explicação mais pormenorizada,
é possível descarregar a ficha metodológica completa aqui.
1. Qual é a natureza da base de dados mobilizada?
Colocamos o foco no 1.º Direito - Programa de Apoio ao Acesso à Habitação por ser o
instrumento financeiro mais robusto e o que mais interesse despertou nos municípios,
designadamente após a sua inclusão no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O marco
temporal do estudo abrange o período entre novembro de 2021 e novembro de 2023, uma vez que
as candidaturas aprovadas posteriormente a essa data:
- Não são representativas de um acesso atempado ao financiamento, capaz de viabilizar um uso
adequado dos fundos disponíveis. O valor de corte colocou-se nos 25 meses antes do prazo
limite para a conclusão das obras (31 de março de 2026), considerados pelo INE como prazo
médio para a conclusão de uma obra nova na região mais desfavorável (Norte);
- Respondem de forma aproximada à data onde se verificou uma mudança nas equipas e critérios
de avaliação utilizados no Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).
Atendendo aos objetivos desta análise, a existência de dois grupos naturalmente
diferenciados – durante e depois deste período – sugere que esta seja realizada incluindo
apenas as candidaturas aprovadas nestes 25 meses considerados.
Para a análise foram apenas considerados os municípios para os quais, à data da elaboração
deste trabalho, existia informação sobre o momento de aprovação da ELH. Este critério
originou uma amostra de 288 observações, abrangendo 93% dos municípios do país, sem excluir
nenhum município com candidaturas aprovadas ao abrigo do critério anterior.
2. Quais são as variáveis que a integram?
Como a rapidez na elaboração e submissão das candidaturas constitui o principal critério de
acesso ao financiamento do 1.º Direito, exploramos aqui a probabilidade de cada município
vir a ser bem-sucedido considerando quatro variáveis: (i) a região em que se localiza; (ii)
o acesso a outros programas de apoio financeiro, como o BNAUT; (iii) o momento de aprovação
da Estratégia Local de Habitação (anterior ou posterior à apresentação do PRR); e (iv) a
distância do município face à sede da entidade que lhe prestou apoio técnico, quando
aplicável. De forma mais sintética:
- Variável resposta:: O modelo classifica os municípios com base numa
variável binária: conseguiu ou não pelo menos uma candidatura aprovada para soluções
habitacionais ao 1º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação?
- Variáveis explicativas: Para calcular as probabilidades associadas ao
sucesso de cada município, consideram-se algumas caraterísticas, nomeadamente:
- a localização geográfica: região onde se localiza o município;
- o os recursos técnicos e financeiros: mês de aprovação da ELH; distância do município
ao apoio técnico; sucesso na aprovação de candidaturas ao BNAUT.
3. Qual é o significado e a importância destas variáveis?
Apresentamos, em seguida, algumas noções chave que ajudam a perceber o alcance do universo
em estudo e a relevância das conclusões aqui apresentadas.
- Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) - Apresentado em 2021, constitui
hoje a principal alavanca das políticas de habitação em Portugal, com um investimento previsto
até 2026 de 2,7 mil milhões de euros.
- Acesso ao financiamento do (PRR) - O acesso ao financiamento exige, por
parte dos municípios, a elaboração das respetivas Estratégias Locais de Habitação (no caso
do 1.º Direito) e/ou a submissão de candidaturas ao Instituto de Habitação e Reabilitação
Urbana (IHRU), que aprova e acompanha estes processos.
- Principais instrumentos de apoio financeiro da componente habitacional do PRR. Entre as medidas abrangidas por este financiamento europeu destacam-se o 1.º Direito –
Programa de Apoio ao Acesso à Habitação (RE-C02-i01) e a BNAUT – Bolsa Nacional de Alojamento
Urgente e Temporário (RE-C02-i02), ambos de âmbito nacional e dirigidos a pessoas em situação
de vulnerabilidade.
- O 1º Direito constitui-se como variável resposta, e o
critério para aferir o sucesso é muito benéfico: ter pelo menos uma candidatura
aprovada antes do prazo médio para conclusão de uma obra (26 meses antes de 31 de
março de 2026, data limite para a execução material do PRR);
- O BNAUT constitui-se como primeira variável explicativa.
A razão é simples: municípios capazes de aprovar candidaturas ao BNAUT dão mostras
de dominar as exigências técnicas e burocráticas, indiciando níveis de competência
elevados.
- Estratégias Locais de Habitação (ELH) A aprovação da respetiva
Estratégia Local de Habitação é condição de acesso ao 1.º Direito e, consequentemente,
ao financiamento atribuído a este programa no quadro do PRR. Os municípios que já
tinham elaborado a sua Estratégia antes do anúncio do PRR denunciam à partida maior
capacidade de resposta, partindo em vantagem comparativamente com os demais. Por esta
razão, o momento de aprovação constitui a segunda variável explicativa.
- Apoio técnico especializado - Tendo em conta a falta de recursos de
muitos municípios, alguns deles recorreram a apoio técnico externo, sobretudo a empresas
de consultoria, para elaborar as suas Estratégias Locais de Habitação. Assim, a distância
do município à sede da empresa que lhe prestou apoio – quando aplicável –, pode ser um
indicador indireto da existência de recursos municipais ou territoriais, constituindo a terceira variável explicativa.
- Região onde se localiza o município - À data do estudo, existiam em
Portugal 7 regiões e, no total, 308 municípios, com características técnicas e financeiras
distintas para dar resposta ao problema da habitação. Os municípios com mais recursos e
que possuem, à partida, maior capacidade para instruir candidaturas, encontram-se em
regiões com maior concentração de recursos. A região constitui, assim, a quarta variável explicativa do modelo.