Saltar para conteúdo principal

Quem consegue chegar ao financiamento?

Consulte o dashboard interativo que mostra a distribuição do financiamento à habitação em Portugal.

5 min de leitura

O projeto DataH procura mobilizar algumas ferramentas da Inteligência Artificial e da Ciência de Dados para qualificar a planificação, implementação e monitorização de políticas públicas de habitação. Neste sentido, apresenta-se aqui uma primeira fase do trabalho, orientada para a aferição das caraterísticas dos territórios capazes de alavancar recursos para assegurar o acesso a uma habitação condigna. A hipótese levantada é simples:

  • O financiamento vai tendencialmente para os territórios e agregados com mais carências?
  • Ou serão à partida os territórios com mais recursos os mais beneficiados?

O simulador que aqui apresentamos pretende ajudar a encontrar a resposta. Com esta ferramenta, o utilizador poderá introduzir os valores para as variáveis explicativas consideradas mais relevantes e obter a probabilidade estimada ou, em alternativa, escolher uma amplitude de probabilidades e perceber quais são as caraterísticas dos municípios que conduzem ao desfecho estimado.

A partir dos resultados apresentados no simulador, é possível destacar a influência que os recursos técnicos e financeiros têm no acesso aos fundos públicos disponíveis. Mais especificamente, apresentam maiores probabilidades de sucesso os municípios que:

  • Conseguiram aprovar as suas Estratégias Locais de Habitação (ELH) atempadamente, especialmente os que o fizeram antes da inclusão do 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR);
  • Foram capazes de aprovar candidaturas a programas de apoio financeiro diversificados, como a Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário (BNAUT), o que indicia maior capacidade em lidar com as exigências técnicas e burocráticas inerentes aos processos;
  • Estão mais próximos do apoio técnico especializado necessário para concretizar os dois pontos anteriores;
  • Estão localizados em regiões mais ricas e desenvolvidas, tendencialmente pautadas por uma menor perda populacional, existência de alojamentos vagos, dinâmicas de mercado mais intensas e maiores qualificações literárias.

Todos estes indícios sugerem a necessidade de introduzir medidas corretivas, por forma às políticas públicas contribuírem para uma maior coesão territorial, em vez de acentuar as assimetrias existentes. Estas evidências, em conjunto com a necessidade de articular as políticas de habitação com o planeamento e ordenamento do território – não desenvolvidas aqui, mas que constituem o cerne do DataH – servem como mote um momento futuro deste projeto, ancorado em duas questões:

  • Como identificar os territórios onde as necessidades se manifestam, em simultâneo, em várias áreas e onde, apesar das dificuldades referidas, a intervenção pública é mais urgente?
  • Como priorizar os territórios a intervir, atendendo à limitação de recursos e à legítima aspiração de obter o maior impacto possível?

Breve contextualização do trabalho

Para a construção do simulador foi desenvolvido um modelo de regressão logística, que modela o comportamento de uma variável resposta de natureza binária – acedeu ou não ao financiamento – em função de diferentes variáveis explicativas, existentes para cada um dos municípios que integram a base de dados e para os quais o comportamento das variáveis em causa é conhecido. Apresentamos em seguida um enquadramento simplificado das principais decisões e das variáveis que enquadram este modelo. Para uma explicação mais pormenorizada, é possível descarregar a ficha metodológica completa aqui.

1. Qual é a natureza da base de dados mobilizada?

Colocamos o foco no 1.º Direito - Programa de Apoio ao Acesso à Habitação por ser o instrumento financeiro mais robusto e o que mais interesse despertou nos municípios, designadamente após a sua inclusão no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O marco temporal do estudo abrange o período entre novembro de 2021 e novembro de 2023, uma vez que as candidaturas aprovadas posteriormente a essa data:

  • Não são representativas de um acesso atempado ao financiamento, capaz de viabilizar um uso adequado dos fundos disponíveis. O valor de corte colocou-se nos 25 meses antes do prazo limite para a conclusão das obras (31 de março de 2026), considerados pelo INE como prazo médio para a conclusão de uma obra nova na região mais desfavorável (Norte);
  • Respondem de forma aproximada à data onde se verificou uma mudança nas equipas e critérios de avaliação utilizados no Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). Atendendo aos objetivos desta análise, a existência de dois grupos naturalmente diferenciados – durante e depois deste período – sugere que esta seja realizada incluindo apenas as candidaturas aprovadas nestes 25 meses considerados.

Para a análise foram apenas considerados os municípios para os quais, à data da elaboração deste trabalho, existia informação sobre o momento de aprovação da ELH. Este critério originou uma amostra de 288 observações, abrangendo 93% dos municípios do país, sem excluir nenhum município com candidaturas aprovadas ao abrigo do critério anterior.

2. Quais são as variáveis que a integram?

Como a rapidez na elaboração e submissão das candidaturas constitui o principal critério de acesso ao financiamento do 1.º Direito, exploramos aqui a probabilidade de cada município vir a ser bem-sucedido considerando quatro variáveis: (i) a região em que se localiza; (ii) o acesso a outros programas de apoio financeiro, como o BNAUT; (iii) o momento de aprovação da Estratégia Local de Habitação (anterior ou posterior à apresentação do PRR); e (iv) a distância do município face à sede da entidade que lhe prestou apoio técnico, quando aplicável. De forma mais sintética:

  • Variável resposta:: O modelo classifica os municípios com base numa variável binária: conseguiu ou não pelo menos uma candidatura aprovada para soluções habitacionais ao 1º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação?
  • Variáveis explicativas: Para calcular as probabilidades associadas ao sucesso de cada município, consideram-se algumas caraterísticas, nomeadamente:
    • a localização geográfica: região onde se localiza o município;
    • o os recursos técnicos e financeiros: mês de aprovação da ELH; distância do município ao apoio técnico; sucesso na aprovação de candidaturas ao BNAUT.

3. Qual é o significado e a importância destas variáveis?

Apresentamos, em seguida, algumas noções chave que ajudam a perceber o alcance do universo em estudo e a relevância das conclusões aqui apresentadas.

  • Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) - Apresentado em 2021, constitui hoje a principal alavanca das políticas de habitação em Portugal, com um investimento previsto até 2026 de 2,7 mil milhões de euros.
  • Acesso ao financiamento do (PRR) - O acesso ao financiamento exige, por parte dos municípios, a elaboração das respetivas Estratégias Locais de Habitação (no caso do 1.º Direito) e/ou a submissão de candidaturas ao Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), que aprova e acompanha estes processos.
    • Principais instrumentos de apoio financeiro da componente habitacional do PRR. Entre as medidas abrangidas por este financiamento europeu destacam-se o 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação (RE-C02-i01) e a BNAUT – Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário (RE-C02-i02), ambos de âmbito nacional e dirigidos a pessoas em situação de vulnerabilidade.
      • O 1º Direito constitui-se como variável resposta, e o critério para aferir o sucesso é muito benéfico: ter pelo menos uma candidatura aprovada antes do prazo médio para conclusão de uma obra (26 meses antes de 31 de março de 2026, data limite para a execução material do PRR);
      • O BNAUT constitui-se como primeira variável explicativa. A razão é simples: municípios capazes de aprovar candidaturas ao BNAUT dão mostras de dominar as exigências técnicas e burocráticas, indiciando níveis de competência elevados.
    • Estratégias Locais de Habitação (ELH) A aprovação da respetiva Estratégia Local de Habitação é condição de acesso ao 1.º Direito e, consequentemente, ao financiamento atribuído a este programa no quadro do PRR. Os municípios que já tinham elaborado a sua Estratégia antes do anúncio do PRR denunciam à partida maior capacidade de resposta, partindo em vantagem comparativamente com os demais. Por esta razão, o momento de aprovação constitui a segunda variável explicativa.
  • Apoio técnico especializado - Tendo em conta a falta de recursos de muitos municípios, alguns deles recorreram a apoio técnico externo, sobretudo a empresas de consultoria, para elaborar as suas Estratégias Locais de Habitação. Assim, a distância do município à sede da empresa que lhe prestou apoio – quando aplicável –, pode ser um indicador indireto da existência de recursos municipais ou territoriais, constituindo a terceira variável explicativa.
  • Região onde se localiza o município - À data do estudo, existiam em Portugal 7 regiões e, no total, 308 municípios, com características técnicas e financeiras distintas para dar resposta ao problema da habitação. Os municípios com mais recursos e que possuem, à partida, maior capacidade para instruir candidaturas, encontram-se em regiões com maior concentração de recursos. A região constitui, assim, a quarta variável explicativa do modelo.